Sunday, May 25, 2014

O que entra na boca do homem também é o mal (mas cada um sabe onde lhe aperta o calo)

Primeiro, foi o açúcar, muito antes de ele ser oficialmente demonizado por especialistas e pela imprensa. Há uns três anos, comecei a me sentir incomodada com a quantidade de açúcar que os bolos levavam, principalmente por consumi-los quase sozinha, em geral, em 3-5 dias. Senti que não era certo e fui pedir uma receita menos doce e com ingredientes mais saudáveis à minha prima, o que resultou num bolo de limão e maçã que às vezes faço e que consegui adaptar a farinhas sem glúten. Eu sempre comi doces, mas nunca fui "formiga", compulsiva, os meus excessos eram ocasionais (e ainda são, embora não sejam tão excessivos), devo isso à chatice do meu pai que regulava a entrada de "porcarias" em casa (o que não era tão bem visto por mim na época, é claro). Minha mãe fazia muitos bolos e biscoitos, e caprichava nas sobremesas, portanto são eles a minha maior referência de consumo diário de doces, mais do que qualquer coisa industrializada.

Mas mesmo assim, veio a luz de que era muito açúcar consumido de uma vez só. Há muito tempo tinha desistido do açúcar refinado para cozinhar, só usava em casos que exigiam mesmo. Diminuí a frequência dos bolos e comecei a fazer substituições para torná-los mais leves. Mas, claro, se alguém me oferecer uma fatia de bolo doce-doce, não recuso (mas também não sinto vontade de repetir); se for a um restaurante e o cardápio das sobremesas me deixar com vontade, não me reprimo; é mesmo no dia-a-dia que coloquei um breque (sobremesas são muito raras hoje em dia) e dei uma "aligeirada", principalmente em relação à frutose.

A lactose foi praticamente cortada por mera intolerância (que foi diagnosticada quando eu era criança, mas só recentemente vim a saber disso, o porquê de nunca me terem dito é um mistério) e, de novo, com exceção da gravidez e de outras épocas em que sentia que devia tomar mais leite (como quando fumava), nunca fui consumidora das mais ferrenhas, nunca gostei muito de leite, sempre me deixou meio enjoada. Gosto de iogurtes e queijos, de sobremesas que levam leite, mas o meu caso de amor com os laticínios acaba aí e, de novo, não me excedo e não passo vontade. "Substituí" por leite de soja durante um bom tempo - erro que, entre tantos outros, me custou a saúde da tiróide - e agora tomo o de amêndoas, que, acabei de descobrir, não faz bem para o meu problema também. É difícil. Comprei o de coco e vou testar outras opções sem lactose, vamos ver se agora dá certo.

As carnes. Sempre foram uma relação de amor e ódio, principalmente por ter tido fases bastante carnívoras, gostar de animais e ter demorado a me tocar que bifes não são quadrados de carne sem sentimentos que simplesmente vão do frigorífico para o meu prato (tamanho o poder de alienação da vida urbana e seus supermercados, e a minha alienação por si só). Que "vitelas" e "borregos" são filhotes, que porcos são inteligentes, entre tantas outras coisas. E, também, como viemos a descobrir nas décadas mais recentes, que as carnes que consumimos em geral vêm lotadas não apenas de sofrimento, mas também de antibióticos (um dos motivos de as bactérias estarem cada vez mais resistentes aos antibióticos consumidos pelos humanos, o que, aliado à falta de pesquisas para o desenvolvimento de novos medicamentos desse gênero, já começou a causar um número maior de mortes por infecções e deverá desencadear uma crise de saúde mundial) e alimentos transgênicos. Tive fases vegetarianas e, embora não seja vegetariana atualmente, tenho criado mais espaço para as hortaliças no meu prato. Por recomendação médica e por iniciativa e desejo próprios. E, sempre que possível, cada vez mais, carnes, hortaliças e grãos aqui em casa são biológicos.

O glúten para mim é o mais difícil. Eu sempre fui viciada em trigo, em pães, biscoitos salgados, panquecas sem nada, you name it. E por que cortar, então? Apesar do prazer, comidas à base de farinha sempre me deixaram "estufada", sonolenta, entre outras coisas. O meu metabolismo, ironicamente, sempre foi mais carnívoro (isso de acordo com o que aprendi com a medicina chinesa), eu me sinto bem e minha digestão trabalha bem se como mais carnes (e eu não gosto muito de carnes atualmente, como disse). Mas a diminuição veio mesmo devido ao tratamento de suporte ao meu problema de tiróide, da minha quase-anemia recorrente, entre outras coisas de quem sofre de males desse gênero. Eu não vou explicar tudo aqui pois isso vai virar um tratado médico enfadonho, em resumo - o corte do glúten, que no início foi experimental porque eu queria me sentir menos inchada, me foi aconselhado e fez sentido para mim. Em casa, praticamente não consumo mais. Outro dia, num passeio, por não ter outra opção e estar faminta, pedi um sanduíche e passei a tarde inteira grávida de 5 meses. E com uma leve cólica estomacal. E não, tenho certeza de que não foi o recheio. Quando conhecemos o nosso corpo, sabemos o que causa o quê, principalmente se prestarmos mais atenção ao processo digestivo.

A pergunta de um milhão de dólares: todos esses ajustes já resultaram nalguma coisa? Sim e não. Sim, porque o tal inchaço que me acompanha desde os primórdios da adolescência e que durante e após a gravidez resolveu que não queria me deixar, diminuiu consideravelmente. A tal barriguinha de baby fat que, achei, iria evoluir para um barrigão que jamais pararia de crescer, praticamente retornou ao estado normal. As minhas feições estão menos estufadas. Roupas que já estavam aposentadas voltaram a me servir. Sinto às vezes mais fome, mas meu apetite é saciado com mais facilidade, e não preciso de muito açúcar, ou de muitos carboidratos simples como antes. E, às vezes, percebo que alcancei o meu limite e pulo uma refeição sem me sentir mal ou fraca, simplesmente porque não me apetece comer. O impacto em outros problemas específicos é algo que não posso medir agora - anos de abuso (que nem foram tão abusivos assim, mas ao mesmo tempo foram porque agrediram progressivamente os pontos vulneráveis do meu organismo) não desaparecem de um dia para o outro, às vezes sequer desaparecem.

Portanto, esta minha jornada do tentar comer de forma mais sensata não resulta de modismos ou da falta do que fazer ou de assunto, mas sim, de questões pessoais de saúde e da conscientização de que o que chega ao nosso prato quase nunca é comida de verdade. Tem sido uma jornada de informação, estudo e experimentos. Sempre gostei de gastronomia por si só, mas também de gastronomia aliada à nutrição. Eu acredito que, como animais que somos, sabemos no fundo do que precisamos, só temos de prestar mais atenção aos sinais que o corpo dá - cada um tem suas intolerâncias, seus metabolismos, suas heranças genéticas, entre tantas outras coisas.

Este blogue não é um blogue de receitas, de proselitismo sobre vida saudável, mas como tudo isso tem sido parte importante da minha vida no momento, senti que tinha de criar um registro desta fase, escrever às vezes sobre essas coisas. Mesmo que não interesse a ninguém que passe por aqui, mesmo que seja algo muito pessoal.

4 comments:

  1. Estamos em processos semelhantes, como já comentámos. Consegui reduzir o açúcar e o glúten consideravelmente, mas a lactose para mim é mais difícil. Tenho feito algumas tentativas, mas ainda não consegui entrar naquele ritmo. O mais engraçado é que eu sinto que a lactose me faz mal, mas ainda não consegui. É um processo lento e com muitos avanços e retrocessos, com muitos passos errados que depois temos que corrigir. Demora, mas acho que vale a pena.
    Bjs

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    1. Pois, eu acho que não podes forçar, pelo menos comigo as mudanças têm de ser no meu ritmo, as proibições me deixam ainda com mais vontade. E a ideia, para mim, é reestruturar a alimentação de modo que a comida sirva ao paladar e à nutrição. Se gostas de um tipo de alimento que faz mal, é mesmo difícil.
      Beijinhos,

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  2. Olá :)
    Também gosto muito deste post :) Uma das coisas que me encanita hoje em dia é as pessoas acharem que aqueles que deixam de comer glúten, açúcar e outras coisas o fazem, exclusivamente, por uma questão de modismo. Até pode haver quem o faça. Acredito é que esses o fazem por um período muito limitado de tempo. Quem tem alguma intolerância ao glúten (e não é preciso ser uma coisa muito dramática) sabe a diferença que faz, em termos de qualidade de vida, quando se retira esse componente da alimentação. Eu amo pão. Amo pão quente com manteiga a escorrer. Devorava pães de centeio em Montalegre com pacotes de manteiga. Aquilo sabia-me pela vida! Mas depois, como disseste, ficava transformada num balão. Não sinto falta do pão, mas sei que se começar a comer um bocadinho é difícil parar. As aulas de padaria e pastelaria têm sido um tormento :)
    Ao longo dos anos tenho percebido que o meu organismo se tornou menos tolerante para coisas que as nossas mães sempre disseram que faziam mal. Pelo menos em excesso. Há semanas comi Pudim Abade de Priscos nas aulas e ainda estou a recuperar dos estragos que aquilo fez em mim. Tenho tido uma alimentação espartana. Mesmo quando faço doces mais saudáveis em casa, não posso ultrapassar um limite mínimo - uma colher de sopa. Caso contrário, fico de rastos.
    Como bem dizes, se atendermos aos sinais do corpo, sabemos exactamente como nos devemos alimentar. Por exemplo, no meu caso, sei que funciono melhor com peixe e legumes e frutas e arroz. O problema é que nunca me consigo alienar do facto do peixe morrer "afogado". Pode parecer estúpido (e para muitas pessoas será, com toda a certeza), mas para mim acaba por ser um impedimento que, a muito custo, ultrapasso.
    Beijinhos!

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    1. Olá :) Eu venho de um cultura em que o pãozinho francês (é o petit pain que vejo aqui na Europa, mas não é massudo, a crosta é ultra estaladiça - de machucar o céu da boca - e o miolo é leve como o vento, imagine isso com um queijo cremoso ou manteiga, as padarias fazem o dia inteiro, até as 10h da noite, é sempre possível comprar quente direto do forno, é este aqui: http://www.google.co.uk/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&docid=v1nsl-UJi7o8fM&tbnid=1yz_WKJcPK63hM:&ved=0CAUQjRw&url=http%3A%2F%2Fwww.frasesparafacebook.info%2Ftags%2Fpao%2Bfrances%2Fpage%2F6%2F&ei=yEyEU4C5HM2c0wX23YCABg&bvm=bv.67720277,d.d2k&psig=AFQjCNFwQ3zquw2VIzMCtpWthg26RdsOFg&ust=1401265732275404) é parte da alimentação cotidiana, do pequeno-almoço e o lanche a que todos recorrem quando bate um pouco de fome. Eu simplesmente amo, quando vou ao Brasil não resisto. Não acho que vou comer todos os dias na próxima visita, mas vou provar se tiver vontade, pois a vida é curta :)
      Esses pudins ao estilo português, com muitas gemas e muito açúcar, são o que chamo de paraíso dos doces. Mas por serem muito doces, acho que conseguirei me controlar e consumir esporadicamente.
      Pois, quando nos desacostumamos a comer certas coisas, o efeito pode ser mesmo "destrutivo". Na Páscoa, fomos almoçar no País de Gales, mas os pais do A. vinham de outra cidade, chegaram aqui um pouco tarde, ou seja, quando chegámos ao restaurante eu estava quase a desmaiar de fome. Trouxeram uma cesta de pães e eu não pensei duas vezes, pois estava mesmo quase a me sentir mal. O resultado foi que estragou o resto da refeição pois logo me deixou "cheia", voltei para casa querendo cama de tão letárgica que fiquei.
      Não, não é estúpido. Eu admiro a tua maneira de tratar a alimentação, não acho que conseguirei ser assim, mas acho inspirados. E compaixão não é algo estúpido, nunca.
      Beijinhos,

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