Monday, September 30, 2013

Efeméride

E "completei mais uma primavera", como diriam aqueles de discurso rebuscado, em pleno outono, e tanto fez, apesar do dia agradável e das excelentes refeições e companhia, dos chocolates que adoro - pelos quais sou grata. Sou grata, também, por ainda não ter sido esquecida.

Antes da efeméride, fui ao Porto, a minha ideia fixa, o lugar onde, acho, quero morar. "Acho" não por duvidar do que quero, mas sim da legitimidade desse desejo. Os meus motivos me parecem bastante claros, mas sei que há sempre subjacências capazes de demolir as certezas, não me iludo.

Foi tudo muito corrido e, como acabei de escrever a uma amiga, descobri que não gosto mais de ir ao Porto, não como visita, a fazer coisas de turista porque A., apesar de dizer que também gostaria de se mudar para lá, encara tudo como "holidays". Sei que mesmo "as coisas de turista" podem ser muito agradáveis, mas não encaro como férias, não consigo. Férias para mim são dolce far niente, visitas a destinações exóticas, coisas assim. Tinha um propósito dessa vez - o casamento de uma grande amiga - e talvez vá de novo para um outro compromisso, mas brevemente. Não gosto de ir para ficar de bobeira no Porto, porque é uma montanha russa, e eu agora estou mais interessada em relativas estabilidades (relativas pois, como já disse, é tudo bastante destrutível neste mundo).

Conforme escrito a outra amiga, eu tenho mesmo é de ir para lá e ver no que dá, no mais, não vale a pena essa espécie de amor não correspondido, não valem esses encontros furtivos e sofridos. Saudades só são mortas com a permanência, o resto é perda de tempo.

Monday, September 16, 2013

A mesa

Eu não escolhi a mesa, ela já estava ali. Vivia num canto, fazia a função de aparador. Até o dia em que preparei um almoço de Natal e resolvemos estendê-la. De bom tamanho sim, mas só comportava quatro cadeiras ao redor, o suporte era todo enviesado. Trouxemos a mesa para cá, eu não queria. Mas como nos mudamos na pressa e ela cabia na cozinha, aberta, ficou por isso mesmo. Resolvi que a mesa seria um projeto - que seria lixada, restaurada, que se tornaria mais clara e teria assentos listrados. Era um trabalho para a primavera, já que tudo isso teria de ser feito no quintal e eu não sou pinguim.

Mas a seguir veio a gravidez, a primavera demorou a emplacar, tinha de trabalhar, fiquei mal fisicamente e o pouco entusiasmo - e talento - que eu tenho pelos trabalhos manuais se perdeu na lista das outras dez mil coisas a serem resolvidas e preparadas.

A mesa é feia, é escura. Gosto das cadeiras, mas o estofado é antiquado, e não de um jeito "vintage" charmoso. É tristonho. De um tempo para cá, a mesa assumiu novas conotações - é agora um objeto perigoso, já que o "suporte enviesado" não tem um encaixe real, e pode ser deslocado por uma menininha de um ano que está aprendendo a andar e adora se enfiar embaixo dela. E fazer metade do tampo cair sobre a sua cabeça. Eu finalmente desisti da mesa, e ela parece ter desistido de nós. Começou a descascar de um jeito muito deselegante, e custa-me olhar para ela.

Subsititui-la é fácil, a loja enorme de artigos de segunda mão entrega a "nova" e leva essa tranqueira. Não, eu não faço a mínima questão de uma mesa nova em folha, contanto que eu goste do modelo e esteja em bom estado, por que não? Nada nesta vida fica com aparência de novo eternamente, e as pessoas se desfazem de móveis de ótima qualidade sem pestanejar. Eu até gosto que tenham uma marquinha ou outra do tempo. Wabi-sabi.

Pois, é fácil me livrar dela. Mas porque estamos numa época de transição, talvez geográfica, algo tão simples assim se torna uma decisão difícil. Mas eu quero a mesa fora daqui. Tanto quanto quero ir embora.

A visual poem

Thursday, September 12, 2013

Possíveis mudanças

O outono chegou um pouco antes da hora, é verdade, mas também já ouvi dizer que, apesar dos equinócios e solstícios, a duração das estações por aqui não é tão exata assim.

Já disse, e muitos o repetiram, que o foi um verão bom. Não tão longo e escaldante como alguns do continente, mas quente, ensolarado e mais prolongado que o normal.

Tanto que estou achando estranhos o céu cinzento, os humores instáveis do tempo, a garoa. Pouco faço além do necessário. Não gosto de me despedir do verão, não nesta terra.

O mais curioso nisso tudo é que foi um verão bem aproveitado na medida do possível, mas introspectivo. Talvez porque a exposição aos elementos me deixe mais reflexiva, traga mais epifanias. Ficar trancada dentro de casa a mim só causa o tédio, pensamentos cansados e sem saída.

Basicamente, o que quero dizer é: embora não tenha fotos dos meus pés submersos em alguma piscina cristalina, ou saído com amigos, ou tirado selfies exibindo as bijuterias da estação e o bronzeado, etc, etc, que mesmo assim muita coisa aconteceu aqui dentro. Tem sido tempestuoso, e me faz pensar em mudanças que se avizinham.

Saturday, September 7, 2013

Ah, o outlet.

Não estou numa fase consumista, o que colide com a minha relativa necessidade de comprar alguns sapatos e peças de vestuário.

"Relativa" porque necessidade para mim é algo mais profundo. É que meu guarda-roupa ficou dilapidado depois da gravidez

E fui ao outlet ontem. Um outlet que se promove como "atração turística". A. parece adorar um centro comercial, acho que porque cresceu em suburbia, onde o shopping center é o núcleo da vida social. Ele não se irrita, eu me entedio. Porque há muito pouco ali que me interessa ou em que esteja a fim de gastar. Não trabalho fora, não tenho vida social ativa, não viajo muito. Mas o que me espanta mesmo é quanto objetos de consumo que antes eram tentadores agora me parecem fúteis. Um dos meus perfumes prediletos estava em oferta. Mas para que perfume? Tenho três que adoro e mal uso, para que mais?

E os sapatos? A sério - até quando essa oferta gigante de saltos absurdos? Por que não há quase nada um pouco mais interessante para quem não queira danificar a coluna, criar joanetes e correr o risco de cair e quebrar alguma coisa? Não entendo.

Roupas lindas, sim, mas sem contexto para mim. Mas as lindas, ainda sim muito caras.

E a grande pegadinha desses outlets é que há muita coisa mais barata do que seria na loja "normal", mas não há nada muito barato. Ou falta numeração. Cores, como no caso das maquiagens. Ou produtos para o meu tipo de pele, no caso dos cosméticos. E todo esse arsenal de coisas para embelezar, me digam - até onde vão os milagres? Até onde é válido confeccionar uma máscara? Quando deixa de ser divertido e se torna um fardo?

Vão me dizer que isso é "coisa de velha" e talvez seja. Talvez porque não acredite em milagres e, apesar de usar uns poucos cremes sem grandes promessas, um pouco de maquiagem em ocasiões que exijam, talvez por tudo isso esse mundo de seduções de consumo me pareça tão raso. Talvez essa desilusão calma que chega com a idade tenha se instalado, talvez a conscientização de que o mundo está voltado para a juventude - que, por si só, é algo muito efêmero - e que de agora em diante me tornarei gradativamente invisível, e que a marca do que uso ou deixo de usar não importe em relação aos outros (não que um dia tenha chegado a importar, mas importa só para mim, pois hoje em dia prefiro comprar menos, mas com mais qualidade).

Acabei comprando coisas para minha filha que "perde" roupas o tempo todo (e porque é mais divertido!), chocolates em pó para as noites de inverno, e fui namorar panelas duradouras. Panelas. Quem diria.

Portishead


Até me mudar para o sudoeste da Inglaterra, não sabia que Portishead era um lugar. Muito menos que a banda era daqui. Eu não sou uma pessoa muito interessada em dados enciclopédicos triviais - pelo menos não era até a chegada da Wikipedia, que consulto sempre em busca de primeiras referências.
Quando comecei a fazer a nossa pesquisa em busca de uma casa para alugar, vi que Portishead era uma opção. Caiu a ficha. Mas acabou não sendo, pois era um pouco afastada demais da nossa localização ideal. Ficou para a próxima.
Já instalados por aqui, num domingo de inverno ensolarado, resolvemos passear por lá. E era um senhor domingo ensolarado e frio, muito bonito mesmo. Depois de nos perdermos um pouco, chegamos à marina - um corredor d'água ladeado de prédios elegantes, famílias de classe média alta passeando com seus filhos e cachorros, um pub simpático ao final da linha. Achei pouco provável que tivesse sido essa a inspiração para a banda de de trip hop. Não me pareceu melancólico ou atmosférico o suficiente.
Chegamos ao ancoradouro e fomos saudados por algo mais interessante - um píer suspenso sobre uma faixa de areia molhada, com o mar a perder de vista. Mas mesmo assim. Subimos por uma escadaria na encosta e encontramos mais um pub, dessa vez com mesas ao ar livre e a paisagem marítima de fundo. Pensei que seria legal retornarmos no verão, foi mesmo um dia congelante e já quase escurecia.
Quase dois anos depois, no que disseram talvez tenha sido o último dia quente de 2013, resolvemos ir passear em Portishead, num tal lago perto da marina. Eu já queria ter ido antes, porque há uma piscina pública decente e eu adoro calor, contanto que tenha um volume d'água onde me refrescar. Mas, devido à insossa experiência anterior, A. tinha se recusado.
Desta vez, porém, Portishead me pegou de jeito. Gosto muito da cidade e da região onde moro, mas nunca nada tinha me deixado, vamos usar uma palavra engraçada - embevecida. Portishead conseguiu. A cidade em si é charmosa, mas essa região do lago... O lago é bobinho, aquela coisa de sempre - uma grande poça com patos e gramados e árvores e famílias entediadas. Mas ao fundo, ao fundo tem o mar. Tem o pequeno penhasco com vistas panorâmicas do mar e, ao contrário dos outros lugares costeiros que já visitei aqui, dá para respirar maresia. E há uma esplanada com um pub simpático que se projeta sobre a praia e é anexo à piscina. Não é o lugar mais lindo do mundo, mas é lindo, acolhedor, fotogênico, tranquilo. Uma pena a praia ser imprópria para uso - até a faixa de areia é perigosa. Talvez seja esse o seu encanto, a proximidade e a distância que mantém de nós, humanos.
Essa tarde em Portishead foi um dos poucos momentos, esses que andam cada vez mais raros, em que me senti bem em estar aqui.

Thursday, September 5, 2013

Só mais um trago? Não.

Com este verão simpático para os padrões britânicos que andamos a ter, não foram raras as vezes que, sentada ao ar livre, tive um flash back, uma vontadezinha de fumar. Também logo a seguir a situações de crise de choro infantil histérico, concomitantes a recusas a comer, ter a fralda trocada, tomar banho, sentar no cadeirão, enfim, tudo que não seja brincar e explorar este nosso mundo cheio de perigos ocultos. Aquele desejo de se isolar por alguns minutos para aquietar a alma, mas acompanhada dele, esse vilão delicioso.

E hoje, lendo coluna da Vanessa Ferrari, voltei a pensar nisso, em como seria bom dar um traguinho, fumar um cigarro light, relaxar. Porque, bom, no final, pouco importa, vamos embora de qualquer jeito, etc, etc. E que não vale a pena demonizar os fumantes, embora, hoje em dia, o cheiro, a fumaça me façam mal. E eu tenha uma filha bebê. Eu parei de fumar há quatro anos, porque me fazia sentir doente, porque minha pele que já não é juvenil e nunca foi de porcelana estava com aquela aparência cansada, mais envelhecida do que deveria estar. Porque não era mais um prazer simples e puro.

Mas assim, no jardim, na calada da noite, será que não posso relembrar os velhos tempos?

Não. Não porque tal cigarro não existe. O primeiro cigarro de quem nunca fumou, ou está há muito tempo sem fumar, é horrível. Arrebenta os pulmões. Arranha a garganta. Deixa um sabor nefasto na boca. E como apagar tal impressão? Com mais um cigarro, ou dois, ou três, até que a fumaça desça redonda e venha uma onda de alívio, não tontura. Como disse uma das personagens de ER, nós os (ex)fumantes estamos sempre à procura do cigarro perfeito. Ele é raro. É uma busca, uma que não cabe em minha vida no momento. Mas que tenho saudades, tenho.

Sunday, September 1, 2013

Manhã de aeroporto e Setembro

Está uma daquelas manhãs de aeroporto, com um nascer preguiçoso de sol. Chamo-as assim porque é(era) somente nas ocasiões em que vamos viajar que vejo o início do dia, sempre em borrões de pintura.

V. e A. dormem - ela no berço, ele na cama. A gata já saiu para as suas perambulações matinais, não sem antes exigir os snacks em que é viciada. Eu estou desperta desde um pouco antes das seis, com a mente em disparada mas sem um foco, desejosa de que a insônia parasse de vir me importunar todas as madrugadas.

E vou ao Facebook e vejo que alguns postam a música de Beto Guedes que brinda a chegada de Setembro, este mês de que costumava gostar tanto, porque é o do meu aniversário, porque no hemisfério sul representava o começo da primavera, do início da contagem até o final do ano e as festas e o sol e a praia e as tardes e noites com os amigos pelas ruas. Essa música me dá uma nostalgia muito dolorida, e olha que não gosto de Beto Guedes (quem sabe um dia goste, é dessas coisas a que a gente se permite quando é mais velha, quando deixou para trás a juventude muito crua em que tudo é risível). Aqui Setembro chegou e já traz os ventinhos gélidos do outono. Mas, pelo menos, tenho uma semana de Porto em que pensar. Depois, o depois é que não sei muito bem.