Num nível mais mundano, gastronomia é um dos meus interesses, como já deve ter dado para perceber. Eu ia dizer “fútil”, porque acho que às vezes soo assim, mas não seria um adjetivo condizente com a realidade, porque eu tenho uma visão bem realista em relação a comida em geral. Desde o valor real dos alimentos, passando pela relação com a saúde, até a ética envolvida na produção dos mesmos.
Para ser sincera, eu sou um pouco obecada. A culpa é da minha mãe, que também era e me ensinou a ser assim. Desde pequena – quando íamos a um jantar, uma festa, recepção de casamento, chegávamos em casa e discutíamos o cardápio. Mais tarde, quando comecei a sair sozinha com os amigos, era a mesma coisa – ela queria que eu contasse tudo, mas tudo mesmo sobre o que tinha comido. Não para controlar, só por curiosidade. Não, não éramos ricos, classe média alta ou frequentávamos sempre as festas da nata da sociedade (embora às vezes fossemos a eventos mais sofisticados), de forma alguma. Era simplesmente um interesse natural por comida. Um dos sonhos dela era ter uma casa de chá, e eu até ficava contente com um café. Ela chegou até a ter um negócio de congelados caseiros e fazia vários cursos.
Já adulta, trabalhei na cozinha de um bistrô e, depois, namorei por seis anos um chefe de cozinha, nossas amizades incluíam, claro, pessoas que trabalhavam no setor. Era um estilo de vida mesmo. Comida à mesa, na televisão, nas conversas, nas viagens. Aprendi muito, embora cozinhasse muito pouco e só agora veja alguns resultados de todo esse aprendizado (eu gosto de cozinhar, mas não cozinho sempre bem, longe disso). Eu ainda leio e assisto muitos programas sobre culinária, embora me concentre mais nos britânicos, porque é o que está mais perto de mim e, vamos combinar, o que se faz aqui é muito interessante pois partiu de um cenário nada interessado em gastronomia para um dos núcleos gastronômicos do mundo. É fascinante para quem gosta do assunto.
Por exemplo: adoro Masterchef UK. Não tem o mesmo ritmo “reality show” de outras versões a que já assisti, é bem mais focado na comida. Não é uma jornada muito emocional, de espírito de equipe, de sobrevivência num jogo, é mesmo sobre talento e comida. É um microcosmo de toda essa revolução gastronômica que acontece já há bem mais de uma década aqui na ilha. Gosto tanto da competição dos amadores como da dos profissionais, mas mais da dos amadores.
Pois, estamos agora na 10ª edição e tenho achado bem decepcionante. Mas por quê? Bom, a questão é que, como quase tudo que vemos sobre o assunto, o que as pessoas querem transferir para a realidade tem muito pouco a ver com a mesma. Parafraseando o que a Catlin Moran disse a respeito das personagens de GIRLS e sexo, o que vemos são pessoas a cozinhar com a cabeça cheia de food po7rn. Muito mais sofisticadas em suas técnicas caseiras, mas sem noção alguma sobre a diferença entre o genial e o ridículo, querendo reinventar a roda. Mexilhões com maçãs, a sério? O resultado é que numa semana em que seriam selecionados 2 participantes para a próxima fase, apenas uma conseguiu chegar às semi-finais e, mesmo assim, sem impressionar muito.
Ontem, ao assistir a um programa sobre chefes conceituados tentando conseguir a primeira estrela Michelin para Manchester, a segunda maior cidade inglesa, caiu um pouco mais a ficha sobre tudo isso. Num momento, Simon Rogan falava de como precisava fazer o restaurante lucrar, que era esse o objetivo, noutro, o head chef tentava cortar custos enquanto o primeiro viajava pela França e dizia que não se importava com riqueza, mas sim, com a qualidade e o prestígio. Um tanto esquizofrênico. Paralelamente, o restaurante da concorrência apostava em elementos teatrais, em pratos distantes da realidade e de execução diária impraticável, para conquistar uma clientela relutante. O que também teve de ser revisto.
De novo, algo que era para ser simples, embora às vezes sofisticado, virou apenas uma perseguição à fama, um objetivo elitista e desprovido de alma. E é isso que alguns cozinheiros amadores visam reproduzir, esse circo de delírios gastronômicos.
Como já disse, eu gosto de bons restaurantes, tanto simples como mais sofisticados, embora não tenha condições de frequentar os segundos com assiduidade (o que não me parte o coração). Mas o que realmente importa para mim é comer comida de verdade, sem pretensões, e até mesmo os aparentemente pretensiosos às vezes conseguem alcançar isso. Nada melhor do que descobrir ou receber a recomendação de um lugar que serve pratos saborosos e não cobra os olhos da cara, ou aprender a preparar algo delicioso em casa. E compartilhar fotos ou impressões sobre o que comi é pelo mero prazer de compartilhar, pois eu mesma gosto de ver e ler sobre o que os outros comeram. Quando tenho a oportunidade de ir a restaurantes conceituados, não é para colocar no currículo, ou para me exibir para os amigos, é pela comida, pela experiência e pelo prazer, não pelo status. E eu acho que é nesse ponto que as pessoas andam um pouco perdidas.