Tuesday, April 29, 2014

Os pratos nossos dos outros dias

Num nível mais mundano, gastronomia é um dos meus interesses, como já deve ter dado para perceber. Eu ia dizer “fútil”, porque acho que às vezes soo assim, mas não seria um adjetivo condizente com a realidade, porque eu tenho uma visão bem realista em relação a comida em geral. Desde o valor real dos alimentos, passando pela relação com a saúde, até a ética envolvida na produção dos mesmos.

Para ser sincera, eu sou um pouco obecada. A culpa é da minha mãe, que também era e me ensinou a ser assim. Desde pequena – quando íamos a um jantar, uma festa, recepção de casamento, chegávamos em casa e discutíamos o cardápio. Mais tarde, quando comecei a sair sozinha com os amigos, era a mesma coisa – ela queria que eu contasse tudo, mas tudo mesmo sobre o que tinha comido. Não para controlar, só por curiosidade. Não, não éramos ricos, classe média alta ou frequentávamos sempre as festas da nata da sociedade (embora às vezes fossemos a eventos mais sofisticados), de forma alguma. Era simplesmente um interesse natural por comida. Um dos sonhos dela era ter uma casa de chá, e eu até ficava contente com um café. Ela chegou até a ter um negócio de congelados caseiros e fazia vários cursos.

Já adulta, trabalhei na cozinha de um bistrô e, depois, namorei por seis anos um chefe de cozinha, nossas amizades incluíam, claro, pessoas que trabalhavam no setor. Era um estilo de vida mesmo. Comida à mesa, na televisão, nas conversas, nas viagens. Aprendi muito, embora cozinhasse muito pouco e só agora veja alguns resultados de todo esse aprendizado (eu gosto de cozinhar, mas não cozinho sempre bem, longe disso). Eu ainda leio e assisto muitos programas sobre culinária, embora me concentre mais nos britânicos, porque é o que está mais perto de mim e, vamos combinar, o que se faz aqui é muito interessante pois partiu de um cenário nada interessado em gastronomia para um dos núcleos gastronômicos do mundo. É fascinante para quem gosta do assunto.

Por exemplo: adoro Masterchef UK. Não tem o mesmo ritmo “reality show” de outras versões a que já assisti, é bem mais focado na comida. Não é uma jornada muito emocional, de espírito de equipe, de sobrevivência num jogo, é mesmo sobre talento e comida. É um microcosmo de toda essa revolução gastronômica que acontece já há bem mais de uma década aqui na ilha. Gosto tanto da competição dos amadores como da dos profissionais, mas mais da dos amadores.

Pois, estamos agora na 10ª edição e tenho achado bem decepcionante. Mas por quê? Bom, a questão é que, como quase tudo que vemos sobre o assunto, o que as pessoas querem transferir para a realidade tem muito pouco a ver com a mesma. Parafraseando o que a Catlin Moran disse a respeito das personagens de GIRLS e sexo, o que vemos são pessoas a cozinhar com a cabeça cheia de food po7rn. Muito mais sofisticadas em suas técnicas caseiras, mas sem noção alguma sobre a diferença entre o genial e o ridículo, querendo reinventar a roda. Mexilhões com maçãs, a sério? O resultado é que numa semana em que seriam selecionados 2 participantes para a próxima fase, apenas uma conseguiu chegar às semi-finais e, mesmo assim, sem impressionar muito.

Ontem, ao assistir a um programa sobre chefes conceituados tentando conseguir a primeira estrela Michelin para Manchester, a segunda maior cidade inglesa, caiu um pouco mais a ficha sobre tudo isso. Num momento, Simon Rogan falava de como precisava fazer o restaurante lucrar, que era esse o objetivo, noutro, o head chef tentava cortar custos enquanto o primeiro viajava pela França e dizia que não se importava com riqueza, mas sim, com a qualidade e o prestígio. Um tanto esquizofrênico. Paralelamente, o restaurante da concorrência apostava em elementos teatrais, em pratos distantes da realidade e de execução diária impraticável, para conquistar uma clientela relutante. O que também teve de ser revisto.

De novo, algo que era para ser simples, embora às vezes sofisticado, virou apenas uma perseguição à fama, um objetivo elitista e desprovido de alma. E é isso que alguns cozinheiros amadores visam reproduzir, esse circo de delírios gastronômicos.

Como já disse, eu gosto de bons restaurantes, tanto simples como mais sofisticados, embora não tenha condições de frequentar os segundos com assiduidade (o que não me parte o coração). Mas o que realmente importa para mim é comer comida de verdade, sem pretensões, e até mesmo os aparentemente pretensiosos às vezes conseguem alcançar isso. Nada melhor do que descobrir ou receber a recomendação de um lugar que serve pratos saborosos e não cobra os olhos da cara, ou aprender a preparar algo delicioso em casa. E compartilhar fotos ou impressões sobre o que comi é pelo mero prazer de compartilhar, pois eu mesma gosto de ver e ler sobre o que os outros comeram. Quando tenho a oportunidade de ir a restaurantes conceituados, não é para colocar no currículo, ou para me exibir para os amigos, é pela comida, pela experiência e pelo prazer, não pelo status. E eu acho que é nesse ponto que as pessoas andam um pouco perdidas.

5 comments:

  1. Olá Dani
    No dia da mãe estive na Figueira e fomos os três (mãe, mate e eu) a um restaurante africano. Só por acaso. O restaurante onde costumamos ir quando não nos apetece escolher muito, estava fechado por causa de um incêndio no exaustor. É um restaurante do mais despretensioso. Comida caseira, peixe sempre muito fresco, mas não há cá minhoquices no serviço: travessas e taças em inox e está feito. Mas as empregadas são extremamente simpáticas (e isso também conta), já nos conhecem os gostos e, como disse, ali há sempre peixe fresco. Não se engana o cliente. Se o peixe não é do dia, eles fazem questão de dizer. Como dizia, esse estava fechado e decidimos experimentar o que estava mesmo do outro lado da rua. Comida africana (entre outras coisas). Eu gosto, mate também, mamãe nunca tinha experimentado. Foi a descoberta do ano. Houve algumas falhas de serviço: chegámos bem cedo (antes das 13h), numa altura em que havia ainda poucas pessoas, mas estivemos mais de uma hora à espera de comer, os empregados não sabiam explicar o conteúdo dos pratos (mas chamaram a chef que veio dar as necessárias explicações) e se nos avisassem que ia demorar tanto (como é suposto fazer-se nestes casos), tínhamos optado por outras coisas porque queríamos voltar cedo para Lisboa.
    As doses - dos 3 pratos - eram imensas (dava para alimentar 6 pessoas), o tempero absolutamente espectacular. Ficámos fãs. No final a chef fez questão de ir de mesa em mesa pedir desculpa pela demora. Pediu-nos, também, que na próxima vez ligássemos para marcar mesa e encomendar as comidas africanas porque estas são feitas na hora. O preço é bastante em conta, não nos cobraram o couvert (por causa dos atrasos no serviço) e é sítio para repetir uma e outra vez. Não me importava de estagiar lá só para aprender aqueles temperos :) Se usassem o sous vide resolviam a questão dos atrasos no serviço. Na hora era só finalizar.
    A sensação que tivemos, mesmo boa, é que estávamos a comer em casa de alguém. Não pelo espaço (pavorosamente decorado e com uma acústica de morrer), mas pelo que ali comemos e pela simpatia de quem cozinhou. No final, fomos falar com a chef e elogiámos a comida. Acho importante dizer quando se gosta. Da mesma forma que acho que não devemos aceitar comer qualquer porcaria que nos colocam na mesa. Na véspera, num restaurante pseudo-italiano, também lá na terrinha, tinha mandado o prato para trás. O empregado tinha dito que a beringela, recheada e gratinada, levava cogumelos porcini. Trouxeram-me uma coisa intragável com cogumelos de lata. E aquilo não era barato. Aí está uma coisa - e não é snobismo - que me irrita até à espinha. Não vou a restaurantes, pagar 15 euros por um prato, para comer coisas enlatadas a saber a alumínio.
    Desculpa o testamento!
    beijinhos

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  2. Olá :) Não tem do se desculpar, gosto de ler testamentos assim. Se passar pela Figueira alguma vez, vou querer as dicas dos dois restaurantes.
    Sim, comida boa não tem a ver necessariamente com a aparência, sofisticação, etc e tal. É isso que falta aqui, restaurantes simples com comida boa, os cafés só servem os lanches de sempre e as delis são cheias das frescuras. Os gastropubs são o que há entre os lugares de comida medíocre (baratos e de preços medianos) e os mais caros. Há muito a moda da comida de rua, mas apesar de não ter nada contra a comida em si, eu prefiro sentar-me à mesa para comer (sem ter molhos a escorrer pela roupa e dar mordidas que não vão ao chão), por mais simples que ela seja :-)
    Esses restaurantes que cobram 15 euros e não estão nem aí são o equivalente dos daqui que cobram na faixa das 10 libras. Podes dar sorte, mas é raro.
    Quando eu morava em Londres, tinha muita sorte, pois fui parar duas vezes em zonas portuguesas, noutra, na travessa de uma numa rua gourmet que, na época, tinha todas a cozinhas imagináveis em dois quarteirões (um dos indianos fica nas traseiras do meu quintal, os aromas eram incríveis, eu vivia faminta) apreços acessíveis. Na rua de um dos lugares que trabalhei, havia um restaurante turco vegetariano com jardim, uma loja de falafels (eles sempre me davam quentinho enquanto eu esperava pelo resto do pedido), uma pastelaria grega, um café que servia tudo caseiro (lanches e sopas) e um restaurante italiano que era exceção da relação comida barata=ruim. Agora aquela região é uma das mais gentrificadas de Londres e duvido que o italiano, por exemplo, não tenha se tornado mais caro. Numa outra zona, tinha um café vegetariano, mais algumas opções asiáticas e, por coincidência pura, um chef amigo meu foi trabalhar num pub logo em frente ao meu prédio, ou seja - almoço gratuito algumas vezes :-) No Porto, tinha um café embaixo do meu prédio e mais uns três a um quarteirão de casa. Parece que essa sorte se esvaiu nos tempos mais recentes...
    Mas quantas vezes paguei 10 libras por um prato que eu faço melhor em casa? O italiano do meu bairro, por exemplo, é ótimo para as pizzas, mas pedi uma vez o espaguete ao vôngole, que logo vi era de lata. Entendo muito bem.
    Beijinhos,

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    1. Olá!
      Não, se passares pela Figueira e eu lá estiver comes em minha casa :)
      Por falar em programas Masterchef. Gosto muito do australiano, acho que eles, o júri, têm sempre uma atitude muito pedagógica com os concorrentes, mesmo quando estes fazem pratos muito maus. O inglês creio que nunca vi. O americano percebe-se que é tudo muito encenado. Ontem à noite vi um pouco do programa Masterchef português que passa num dos canais privados (TVI). Fiquei para morrer com o modo como um dos chefs - Rui Paula - falava com os concorrentes a propósito da prova que implicava fazer um croquembouche. A falta de educação, a arrogância, a violência das palavras eram absolutamente desnecessárias. A tv, para mim, deve ter sempre uma componente pedagógica. Pôr chefs de referência a falar assim com os concorrentes mostra, de alguma forma, que não só é permitido, como sugerido que se faça assim com quem tem uma posição hierárquica inferior. Foi tão reles que me está a apetecer mandar um mail à produção a desancá-los a todos.
      Hum, restaurante turco vegetariano parece ser coisa muito interessante :) Nome? Site? :))))))
      Eu tenho vindo a tornar-me uma cliente muito insatisfeita. Se pago quer ser bem servida. Quero comer melhor do que em casa. E mando pratos para trás se são um engodo. Encanita-me esta coisa de acharem que o cliente é burrinho e que come, literalmente, qualquer coisa!
      Beijinhos

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  3. :-) Muito honrada com o convite, se eu for logo para o Norte, quem sabe?
    Pois, eu vi muito pouco do australiano, assisti a episódios inteiros apenas do sul-africano e do irlandês. O sul-africano achei fraco, pelo menos a temporada que mais ou menos acompanhei - muitas tarefas em grupo, muito copiar os pratos dos chefs convidados, pouca criatividade, não dava para perceber quem era mesmo talentoso. E eles ganhavam um carro ao final, era mesmo um esquema "reality show", o vencedor não me convenceu. O irlandês é mais parecido com o daqui, mas o júri era um pouco brusco com os participantes, às vezes arrasava-os mesmo. O britânico é super leve, tem toda a jornada, eles vão mesmo aprendendo e criando ao longo do caminho, os apresentadores são gentis e fazem brincadeiras. E não tem família no mezanino torcendo. O amador é liderado pelo John Torode, que é um chef de bem com a vida e que faz críticas construtivas. O profissional é pelo Michel Roux, patron chef e dono do Le Gavroche, que é um gentleman e, de novo, faz críticas construtivas. Como assisto há quase 10 anos, acho as outras versões um pouco aceleradas e competitivas demais. Uma coisa muito legal é que na final das duas versões, eles continham para uns 10 chefs que têm estrelas Michelin, e é normalmente quando eles se superam. Eu assistia a reprises no Porto, não me lembro em que canal.
    Pois, manda um email mesmo! Acho que o Gordon Ramsay repercutiu essa atitude de gritar e esculachar para colocar a malta para trabalhar, é um postura quase militar. As cozinhas profissionais não são sempre ambientes dos mais finos, mas esculachação pública já é outra coisa.
    Sim, se pagas para comer tens de receber comida e atendimentos ruins. Quando fazemos um pedido, confiamos que é aquilo que vamos receber, preparado por profissionais. Por isso que hoje em dia eu raramente vou a algum lugar que não me seja recomendado ou seja elogiado pelos clientes.
    Eu escrevi "restaurante", mas era um café, desculpa, confundi-me com a churrasqueira turca perto da minha outra casa. Pesquisei mas não há site, é mesmo um lugar simples. Na parte da frente, da comida para levar, havia opções não vegetarianas, mas a carta da área das traseiras era vegetariana. Agora, pelo que li, mudou um pouco, não vou lá há quase 10 anos...

    Beijinhos!

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  4. *eles CONVIDAM*, acho que digitei errado e o corretor mudou para "continham" :-)))

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