Monday, March 31, 2014

Domingo.

(Redland, Bristol, final de tarde de um dia muito agradável)

Ontem foi o Dia das Mães aqui em terras anglo-saxônicas, portanto nada mais justo que eu, que passo grande parte da semana cozinhando à la carte para a pequena família e lavando toneladas de louça, fosse contemplada com uma refeição num bom restaurante. Nesse caso, em um gastropub aqui de Bristol.

A nossa vida social é praticamente nula, moramos num país em que a cultura de cafés mais modernos geralmente não oferece nada além de paninis insossos, saladas anêmicas e sopas, ou seja, é muito raro comermos fora durante a semana, pois tosta com queijo por tosta com queijo prefiro a minha, que sai bem mais em conta. Bom, pelo menos na área em que moro, as opções não são tantas quanto em Londres, por exemplo, que tem uma cena gastronômica mais efervescente, variada e bem distribuída, incluindo desde street food até os restaurantes venerados pelos críticos. Bristol tem ótimos restaurantes, mas mais na área central e no campo ao redor.

Com exceção das opções asiáticas e das pizzas (de forno de lenha, de verdade) que pedimos uma vez por semana nos takeaways da vida, a cozinha aqui em casa é caseira. Não saímos para beber, dançar, não vamos ao cinema, ou seja - comer fora aos fins-de-semana é a nossa distração ocasional, e quando o fazemos, tem de ser em lugares com uma certa reputação, principalmente nas datas comemorativas, não nos importamos de gastar um pouco mais porque compensa em todos os sentidos - e faz bem aos sentidos.

E do que eu mais gosto nesta terra é dos gastropubs, é algo de que vou sentir imensas saudades quando nos mudarmos daqui. Eu adoro pub grub, adoro comida simples feita com ingredientes robustos, sazonais e bem preparada - e em porções generosas. Um bom assado, uma opção simples e saborosa de mariscos, uma sobremesa que parece feita pela avó, legumes e verduras frescos. É comida britânica no seu melhor, para aqueles que ainda não entenderam que a culinária daqui é boa demais. Acho que, como a italiana, a boa gastronomia inglesa se destaca pela valorização do ingrediente, celebrando-o de forma simples, com nada a mais ou a menos. Sim, é verdade que há muita junk food, é verdade que a maioria é preguiçosa e prefere comprar refeições prontas ou congeladas no supermercado, comer sanduíches ao almoço, que as gerações mais antigas têm medo de temperos, que os cafés baratos - greasy cafes -, só oferecem variações de fritura, é verdade. Mas a comida de pub, entre outras opções de restaurantes também excelentes, é a que poderíamos chamar de típica, é a melhor.

Não vou fazer uma crítica extensiva do pub, que recomendo muitíssimo, mas tinha de registrar o que foi uma das coisas mais simples e ao mesmo tempo sofisticadas que já comi - a minha entrada. E as cenouras. Você sabe que comeu comida honesta e boa quando até as cenouras, em estado praticamente natural, sem nenhum tipo de frescura, causam boa impressão.

O chefe resolveu chamar isso de squid stew (ensopado de lulas), mas é na verdade um bisque, com lulas incluídas. Acho que a escolha da nomenclatura foi para não cair muito para o francês e confundir os clientes.

O acompanhamento também era fantástico, um rouille que sabia a mariscos, para passar na torrada ou acrescentar ao prato. Eu estava com o nariz parcialmente entupido, mas mesmo assim senti a picância e as nuances dos sabores, principalmente da erva-doce, um tempero que entrou para o rol dos meus favoritos. Eu acho que era erva-doce também a aromatizar as cenouras, acompanhamento do prato do A.. Eu vi a mesa ao lado deixar grande parte das cenouras e quase pedi para passarem para a nossa, ao melhor estilo, "acabaram? não se importavam de compartilhá-las conosco?". Detesto desperdício.

Alguém, no entanto, preferiu o papel com desenhos para colorir.

6 comments:

  1. Olá Dani
    Este teu post fez-me lembrar um dos autores que mais gostei de ler quando fiz o doutoramento - Mennell. Na comparação entre cozinha francesa e inglesa (é uma abordagem histórica e o livro é de meados da década de 80), ele refere que na Grã Bretanha o modelo dominante é o da aristocracia rural que vivia dos produtos sazonais produzidos nas suas terras. Sempre achei que os gastropubs eram os herdeiros legítimos desse modelo de cozinha. Uma cozinha (isto agora é só clichés!) robusta, honesta e simples :) Confirmas ou isto é um perfeito disparate? :)))
    A tua filha é muito fofa :)) Ela gosta dessas experiências gastronómicas?
    Beijinhos

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    1. Olá!
      Não sabia deste "modelo", mas sim, confirmo :-) Há dois tipos de pubs - um, em que se vai para beber e a comida é secundária, portanto nem sempre de boa qualidade ou fresca (muitas frituras, muitas opções claramente congeladas), e os gastropubs, que procuram valorizar os produtos da estação e da região em que estão inseridos. Em Londres, claro, por ser a capital, não há o componente "regional", mas o sazonal também domina. É claro que as receitas nem sempre são 100% britânicas, mas ainda seguem a bíblia dos ingredientes da estação.
      Há um gastropub aqui no sul da cidade que tem um cardápio "histórico", uma outra tendência ocasional que surgiu com o Dinner, do Blumenthal, já lá estive, mas para uma happy hour e só pedi uns petiscos, mas é super interessante - http://www.staranddove.co.uk. Tem até um pequeno
      almoço vitoriano.
      Este aqui, http://www.theethicurean.com é um restaurante, não pub, mas fica no campo e segue essa linha que mencionaste. Quero visitar, mas gosto de verificar a ementa antes, pois se me vêm com aquelas opções de borrego (é época, não como) e carne de porco (não como também) e nada muito mais interessante, já descarto, e eles não parecem atualizar o site.
      Enfim, é uma cena gastronômica muito interessante, mas as pessoas têm uma ideia de que aqui só se come tudo cozido, sem temperos.
      Eu acho que o conceito dos gastropubs é muito peculiar, não porque não haja restaurantes em outras culturas que sirvam refeições assim, mas porque é ao mesmo tempo informal e sofisticado, mas acessível ao bolso. Gosto muito.
      Obrigada, ela ainda não curte muito comida, estava indo muito bem com os verdes e afins até completar um aninho, depois disso, é "de lua", um dia gosta, noutro tudo lhe mete nojo, tem sido difícil, ia mesmo escrever sobre isto. Nesse dia, ela comeu boa parte do meu purê e um pouquinho de brócolis - o bisque foi a entrada, o prato principal era juliana (peixe) com as batatas e brócolis romanesco -, mas é mesmo imprevisível!
      Beijinhos!

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    2. PS. por "sofisticado" (vamos abusar dos tais clichês) quis dizer que a ementa é mais especial, preocupada com os ingredientes, e preparada por chefes de renome, não que sejam cheios das firulas e frescuras, não mesmo.

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    3. Pois fui ver a carta que o site disponibiliza e fiquei bastante impressionada com a coisa :)

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  2. Talvez não chegues a ter assim tantas saudades dos gastropubs.

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  3. Olá, Dora!
    De certeza que não vou "morrer de saudades", acho que será mais uma nostalgia, que poderá ser suavizada nas nossas visitas à família :)
    Eu sou apaixonada por gastronomia e vinculo muito a memória afetiva aos sabores e lugares. Por exemplo, sinto muitas saudades de uma pizzaria do meu bairro em São Paulo, porque era lá que íamos muitas vezes celebrar, porque era de onde pedíamos pizza quando recebíamos visitas, e foi assim por uns bons 20 anos. Quando vou de viagem, tenho de ir lá, é como abrir um baú de memórias.
    Os pubs daqui vão sempre me lembrar dos amigos que fiz, dos que vieram me visitar e, agora, dos poucos momentos de lazer que temos os três. O do meu bairro, por exemplo, tem um playground nas traseiras e uma estante com livros e brinquedos para as crianças, o que faz com que elas interajam e se divirtam também. É um ambiente de convívio que, com sorte, também serve boa comida.
    Sinto, também, muitas saudades do café que ficava embaixo do meu apartamento no Porto. Comi muito lá, e esse tipo de comodidade, de poder comer algo caseiro sem gastar muito, me faz falta.
    Os pubs vão deixar saudades, mas não me farão falta :)
    Beijinhos, obrigada pela visita!

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